domingo, setembro 04, 2005

Monólogo de Ortfeu

Monólogo de Orfeu por Vinicius de Moraes e Tom Jobim

Mulher mais adorada!Agora que não estás, deixa que rompaO meu peito em soluços! Te enrustisteEm minha vida; e cada hora que passaÉ mais por que te amar, a hora derramaO seu óleo de amor, em mim, amada...E sabes de uma coisa? Cada vezQue o sofrimento vem, essa saudadeDe estar perto, se longe, ou estar mais pertoSe perto, – que é que eu sei! Essa agoniaDe viver fraco, o peito extravasadoO mel correndo; essa incapacidadeDe me sentir mais eu, Orfeu; tudo issoQue é bem capaz de confundir o espíritoDe um homem – nada disso tem importânciaQuando tu chegas com essa charla antigaEsse contentamento, essa harmoniaEsse corpo! E me dizes essas coisasQue me dão essa força, essa coragemEsse orgulho de rei. Ah, minha EurídiceMeu verso, meu silêncio, minha música!Nunca fujas de mim! Sem ti sou nadaSou coisa sem razão, jogada, souPedra rolada. Orfeu menos Eurídice...Coisa incompreensível! A existênciaSem ti é como olhar para um relógioSó com o ponteiro dos minutos. TuÉs a hora, és o que dá sentidoE direção ao tempo, minha amigaMais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!A beleza da vida és tu, amadaMilhões amada! Ah! Criatura! QuemPoderia pensar que Orfeu: OrfeuCujo violão é a vida da cidadeE cuja fala, como o vento à florDespetala as mulheres - que ele, OrfeuFicasse assim rendido aos teus encantos!Mulata, pele escura, dente brancoVai teu caminho que eu vou te seguindoNo pensamento e aqui me deixo renteQuando voltares, pela lua cheiaPara os braços sem fim do teu amigo!Vai tua vida, pássaro contenteVai tua vida que estarei contigo!

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